Rafael Vicente

Plano | Volume

09.11.2018

Curadoria: Marcus Lontra

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CONSTRUINDO PONTES

Certa vez escrevi que era preciso se habituar com a arte na qual não há mais pintura para depois se habituar com a pintura que subsiste em qualquer produto artístico. Assim é o mundo contemporâneo, nas suas imagens virtuais e velozes, numa dimensão distante da convivência pictórica que exige fisicalidade, permanência, silêncio. Em tempos líquidos a pintura é matéria, concretude, presença e materialidade. Mas ela é, também, ideia, descoberta, encantamento e provocação. E Rafael Vicente acredita nesse poder transformador, nesse conceito que aproxima passado e presente, na coragem de enfrentar a história e mergulhar nessa arena com a torção do arco e a precisão da flecha.

O pintor não ignora a tradição; dela ele se apropria para criar pontes de comunicação entre os saberes. As representações de mundo através das leis da perspectiva são o ponto de partida para uma aventura de volumes, elementos em expansão, construção de formas que vivem na urgência do movimento, do abismo, do desequilíbrio. Elas brincam com as formas de Samson Flexor e com os bólides de Helio Oiticica mas elas não ordenam mundos nem constroem utopias. 

Para o artista o passado recente é fonte de inspiração e respeito mas é também, e principalmente, uma alavanca, uma ferramenta de diálogo com o mundo contemporâneo. Por isso elas são assim, belas e estranhamente tensas, delicadas em seus pontos de fuga, e sugerem urbes nas quais a beleza nasce das frestas, daquilo que resiste, que permanece, que insiste em sobreviver. Quando a beleza das coisas que vemos – e temos – corre na direção daquilo que não conhecemos, a arte se transforma em estranheza, paixão e encantamento.

​Assim caminham as obras de Rafael Vicente, agora mais sensíveis a um cromatismo mais vibrante, acentuando diferenças tonais e destacando a sua precisa articulação das formas no espaço. Trata-se de um artista com domínio dos seus meios expressivos e ao mesmo inquieto e criativo, construindo, pedra a pedra, quadro a quadro, a sua obra, a sua verdade, a sua história. E assim seguimos, as tardes caindo como viadutos e a gente insistindo em acreditar na arte como território de esperança e de resistência. Em tempos sombrios, a História nos ensina que a arte é a vestimenta sagrada dos bravos e corajosos.

Marcus Lontra
São Paulo. outubro. 2018