29.07.2010
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O pequeno museu de mim: a vida das coisas – Projeto de Carmen Novo.
Imagens e objetos. Este é o ponto de partida de Carmen Novo. No pequeno museu de si, as imagens são uma maneira de ver e pensar, elas fazem uma caçada na escuridão de nossas mentes e oferecem o mundo ao nosso pensamento. As coisas, em suas imagens, não são meros artefatos físicos ou artifícios úteis às necessidades humanas. Ao contrário, são dotadas de simbolismos, portadoras de valores sociais e capazes de resguardar memórias individuais e coletivas. Através das coisas emerge nossa humanidade, faz-se imediata a presença de outros e, também, de nós mesmos.
As imagens e vídeos apresentados nesta exposição formam uma série de entrelaçamentos, cujo foco não pretende retratar, de modo algum, apenas objetos. Estas imagens iluminam, sobretudo, a sensibilidade humana, apresentando-nos uma rota de acesso às pessoas por meio das coisas.
A escolha de Carmen Novo é, ao mesmo tempo, um deleite e um dilema. A presença dos objetos, em seu trabalho, deixa falar um “outro” aparentemente inanimado. As coisas, protagonistas deste projeto, revelam um semblante esquecido, quer seja de entes queridos ou desconhecidos, quer seja de si. Os objetos, todavia, não se tornam a expressão de “outra” pessoa, mas tornam-se uma recolocação controlada e interiorizada da ausência do “outro”. Ao mesmo tempo em que as coisas narram o passado elas, também, reinventam o futuro.
A originalidade do trabalho de Carmen permite que uma imagem seja lida através de outra, refletindo, simultaneamente, o olhar da artista e a sensibilidade com que cruzou os diferentes significados, estejam eles narrados nos movimentos dos vídeos ou aprisionados na intensidade das coisas que fotografou.
Carmen, ao relacionar-se com as imagens desses objetos, produz um museu de si mesma e afirma um instante de sentido e memória. A artista nos apresenta um modo de apropriação de um mundo mais amplo e, ao mesmo tempo, a representação de um mundo cujo domínio é íntimo e privado.
Nessa seqüência de imagens e vídeos observamos a maneira pela qual os objetos materiais e as pessoas alteram a vida uns dos outros, colocando em relevo a intimidade e a diversidade com que pessoas podem relacionar-se com coisas materiais.
São as mãos trêmulas que tocam as cordas do violão ou acariciam o anel entre os dedos, seguram e mostram a medalha ou, simplesmente, deixam pousar com afago o urso no colo. As imagens que compõem este belo projeto visual nos fazem refletir sobre o fato de que alguns objetos são escolhidos em detrimento de tantos outros, jogando luz nesse intenso processo de abandono ou compaixão que nutrimos por certas coisas.
Apreciamos, nestas imagens, um novo estado de agência, cuja reflexão repousa na participação ativa dos objetos e da cultura material na constituição de nossas vidas. As coisas que possuímos, guardamos ou carregamos expõem, com irreverente nudez, quem somos e, contudo, revelam a mobilidade ou a estabilidade de nossos sentimentos com relação àquilo que decidimos manter ou abandonar.
O encontro proposto por Carmen, entre pessoas e coisas, é uma possibilidade de reconfigurar ambos, de reparar e reescrever as narrativas de suas trajetórias pessoais. Isso por que os objetos remontam o passado e nosso freqüente contato com sua materialidade e existência física torna-se uma atividade constante de externalização da memória. Somos forçados, portanto, a confrontar diretamente os objetos materiais, escolhendo entre mantê-los ou abandoná-los durante nossa passagem através da vida.
A presença das coisas pode ser uma tentativa de reproduzir a proximidade de relacionamentos cujos laços não existem mais, seja pela ausência dos corpos vivos daqueles que amamos, seja pela distância que mantemos, frequentemente, de nós mesmos. São os objetos responsáveis pela delicada conexão entre passado e presente, ausência e lembrança, permitindo resignificar os relacionamentos, fazendo perdurar os laços afetivos, de maneira física e palpável à sensibilidade humana e não apenas à memória, perecida pelo tempo.
As expressivas imagens apresentadas nesta exposição configuram-se enquanto uma rara oportunidade de olhar por trás de cenas reservadas à esfera íntima, pessoal e doméstica, trazendo à tona o fato de que pensamos possuir coisas, mas, as coisas, com efeito, também nos possuem.
Magda Ribeiro, 2010