Lourdes Sakotani

Permanente Inquietação

28.09.2018

Texto Crítico: Julio Mendonça
Curadoria: Alexis Iglesias

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Lourdes Sakotani apresenta, aqui, uma nova série de trabalhos, o que me leva a pensar no que tenho observado de seu percurso. Desde que conheço o trabalho artístico de Lourdes, sempre o associo com a presença constante, nele, de temas ligados à natureza, o que me remete – de modo demasiado apressado – à sua origem japonesa.

De fato, a natureza é o assunto quase exclusivo – ou, ao menos, parece ser – de seu trabalho e, como sabemos, tem um papel fundamental na arte e na poesia tradicionais do Japão. Mas, também é fato que acontece por aí, frequentemente, dessa temática de inspiração oriental ser tratada de maneira superficial, estereotipada e kitsch.

Não é o caso da obra de Lourdes Sakotani. Não há estereotipia em seu trabalho. O que observamos é uma fina sensibilidade, associada à inteligência crítica e a um crescente apuro técnico.

Primeiro, é preciso destacar que os motivos retirados da flora nunca são meramente realistas, nem, por outro lado, representações idealistas. Ainda que o trabalho de Lourdes não deva ser compreendido apenas em relação à cultura japonesa – e, de fato, não deve – é importante refletirmos sobre alguns aspectos dessa cultura presentes em sua obra.

Minoru Oda foi um grande astrofísico japonês. Envolvido com os debates mais importantes da ciência moderna, era também muito atento à observação dos valores da cultura de seu país natal e ao contraste deles com os da cultura ocidental. Refletindo sobre este contraste, observou que a presença de motivos da natureza na arte japonesa é marcada pela percepção da passagem do tempo, pela quebra da simetria e pela tensão. Assim, prevalecem a irregularidade, a não-linearidade e a complexidade.

Pois estes elementos podem ser observados na obra de Sakotani. Desde trabalhos anteriores – como “Convivium”, “Colmeia” e “Vidas Secas” – até as gravuras em metal e madeira desta mostra, são recorrentes as presenças de formas florais, motivos arbóreos, pedras e água. A água é nutriz; é também fluxo constante, tempo. A pedra é obstrução, suspenção do tempo, permanência. Na instalação “Vidas Secas”, Lourdes associava alguns livros numa estante alta com uma folha de papel que deles descia representando a imagem de um terreno craquelado que terminava no chão, com um tronco seco de árvore. O livro é máquina humana, espelho, multiplicação abissal do tempo, vertigem e desperdício cosmológico. A madeira é nostalgia da natureza e luto.

Claro que há neste e em outros trabalhos – inclusive desta exposição atual – uma preocupação ecológica. Mas, mais importante que isto é observar como em seus trabalhos há complexidade e tensão. Não é por acaso que seus trabalhos diversas vezes recebem nomes como “Fuga”, “Redemoinho”, “Dispersão”, etc.; são nomes que denotam movimento, contrastes, dinamismo em equilíbrio precário. A obra de Sakotani não é mera portadora de mensagens – seja de visões idílicas da natureza ou de visões distópicas da intervenção humana no meio ambiente. Seu trabalho busca captar essa relação entre natura e cultura de modo sensível, atento e inquietador.

Julio Mendonça, setembro de 2018
Atualmente é coordenador do Centro de Referência Haroldo de Campos na Casa das Rosas. Foi analista de cultura da Prefeitura de S. Bernardo com experiências na área de Letras , abrangendo poesia intersemiótica , literatura, artes visuais, cinema e política cultural.